Com a devina vénia ao Coordenador do G.T., Dep. Mendes Bota,
Hoje, ao falar aqui, neste colóquio, num momento que também assinala o empenhamento da Assembleia da República no combate à violência sobre as mulheres, incluindo a violência doméstica, não vos falarei de estatísticas, do número de vítimas e de queixas, de abrigos e de centros de acolhimento.
Não vos falarei das mil definições técnicas desta chaga social.
Já vai emergindo em força o conhecimento do calvário do assédio sexual, dos insultos, da humilhação, dos golpes, das violações e dos assassínios, situações agravadas nos casos das mulheres imigrantes, ilegais, traficadas e prostituídas à força.
Compreende-se melhor o ciclo da violência conjugal, que vai do fascínio à tragédia. As suas consequências físicas, mentais e sociais, sobre as mulheres e os seus filhos, testemunhas silenciosas de memória eterna.
Os ciúmes, o isolamento da mulher em relação à família e aos amigos. A primeira vez. Um homem que bate uma vez bate sempre. A reincidência. O perdão. A promessa. A reincidência. O hábito da violência tornado padrão. O ciclo tornado num círculo vicioso. Mulher em perigo. Saída precisa-se. Informação impõe-se.
Neste dia de respeito parlamentar pela temática da Violência Doméstica que se abate sobre as mulheres, dirijo-me, sobretudo, aos homens do meu país.
A primeira reacção de muitos deles, provavelmente de muitos dos parlamentares desta câmara, ao constatar o lema da campanha, é a de perguntar: Então? E a violência sobre os homens, não existe também? E disso não falam?
É verdade, a violência física ou psicológica sobre homens também existe. Mas, todos os estudos apontam no sentido de permanecer um fenómeno bastante minoritário.
Por outro lado, a violência sobre as mulheres, tipifica historicamente uma relação de dominância de um sexo sobre o outro, baseada numa repartição desigual de poder entre homens e mulheres. É um legado de uma sociedade patriarcal, que serviu para discriminar as mulheres, e para prevenir a emergência das suas capacidades em pé de igualdade com os homens, muitas vezes, para controlar e instrumentalizar a sua capacidade reprodutiva e sexual.
E é porque a sociedade actual ainda tende a aceitar, ou a ser permissiva, para com este conceito de dominação, que importa focalizar a questão da Violência Doméstica no seu alvo principal, ou seja, as Mulheres.
Importa sublinhar que o papel dos parlamentos nacionais nesta campanha do Conselho da Europa não é o de se substituir às instituições nacionais ou às ONGs.
Devem ater-se ao seu papel de legisladores por excelência, de monitorização política da aplicação das leis e dos recursos existentes, de procurarem valorizar a componente da defesa dos Direitos Humanos, e procurar temas concretos por explorar e debater, de forma complementar e não concorrencial com as campanhas nacionais em curso.
A nossa atitude, como parlamentares, tem que ser inequívoca, na condenação deste crime, qualquer que seja o seu formato, e na investigação do tratamento das queixas, e do motivo de uma taxa tão baixa de julgamentos e de condenações.
E, como legisladores orçamentais, deve ser nossa preocupação também assegurar os meios necessários aos investimentos, ao funcionamento e à implementação de medidas no quadro do Plano Nacional Contra a Violência Doméstica.
Seria útil elaborar uma Listagem de Boas Práticas em matéria de Violência Doméstica, e um Sistema de Indicadores para Medição do grau de Violência Doméstica..
Há trabalho por fazer no campo da aplicação do sistema de vigilância electrónica a agressores, na revisão do sistema de obtenção de prova no contexto da Violência Doméstica, na identificação e estabelecimento de medidas legítimas de intervenção policial e social nestes casos, no combate à mutilação genital feminina, na criminalização da violação marital.
Os agressores têm que deixar de ser tratados com impunidade, e não lhes deve ser consentido o uso e porte de armas.
Esta tem que ser uma campanha contra mitos, preconceitos e provérbios populares:
Não é verdade que “entre marido e mulher não se mete a colher”. A Violência Doméstica é um crime público, e o nosso silêncio torna-nos cúmplices dele.
Não é verdade que “quanto mais me bates mais gosto de ti”.
Não é crível que os maridos se descontrolem apenas porque as mulheres os provocam
Não é verdade que as mulheres sofrem porque querem, senão já tinham deixado os maridos
Não é verdade que a violência doméstica seja uma característica dos extractos sociais desfavorecidos
Não é aconselhável que uma mulher maltratada aguente um casamento em nome de um pressuposto “bem dos filhos”.
A violência contra as mulheres, atinge em Portugal uma dimensão preocupante, que não nos pode deixar indiferentes. É uma guerra civil subterrânea, com largas dezenas de vítimas por ano, e onde cada crime começa geralmente aos gritos, mas acaba num profundo silêncio.
Daqui lançamos um apelo aos homens de Portugal, para que se consciencializem dos danos que a violência doméstica causa sobre as mulheres, sobre as crianças e sobre a sociedade.
É uma violação grosseira dos Direitos Humanos, mesmo à nossa frente, mesmo ao nosso lado, que perturba a paz e a segurança cívica a que temos direito, e mancha a democracia portuguesa.